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domingo, 16 de novembro de 2008

Recorto a minha sombra




Recorto a minha sombra da parede,
Dou-lhe corda, calor e movimento,
Duas demãos de cor e sofrimento,
Quanto baste de fome, o som, a sede.

Fico de parte a vê-la repetir
Os gestos e palavras que me são,
Figura desdobrada e confusão
De verdade vestida de mentir.

Sobre a vida dos outros se projecta
Este jogo das duas dimensões
Em que nada se aprova com razões
Tal um arco puxado sem a seta.

Outra vida virá que me absolva
Da meia humanidade que perdura
Nesta sombra privada de espessura,
Na espessura sem forma que a resolva.

José Saramago em :Os Poemas Possíveis

2 comentários:

Anónimo disse...

Lindo poema, me faz refletir sobre o meu "eu", recortado a cada dia pela agruras que não há como fugir.
Bjs
Tânia

Unknown disse...

Lindoooo
Emilia eu tenho uma paixao por Saramago que é inexplicavel.
Um beijo
sandra cantii