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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Moçambique, uma história de amor

O grupo era constituído por três professores do ensino superior, uns oito alunos da FBAUP (Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) mais quatro professores do ensino secundário e uma bibliotecária. Íamos actuar em diferentes sectores, o grupo do qual eu fazia parte, ficava na ENAV( Escola Nacional de Artes Visuais), para criar ou fazer a actualização de cursos já existentes e a respectiva formação de formadores, outro grupo ia desenvolver a sua actividade no museu, outros na biblioteca municipal e um grupo de dois professores com os alunos da FBAUP iriam actuar num centro comunitário.
Uma das coisas que me tinha sido dito antes de partir para Maputo, é que tínhamos direito à viagem oferecida pela LAM (Linhas Aéreas de Moçambique) e dormida, mas as refeições, deslocações e tudo o mais seria por nossa conta, afinal cá também tínhamos que comer. A ideia, era dar o máximo que pudéssemos. Trabalho de missionário. Confesso que a ideia me apaixonou
Fizemos a viagem durante a noite e mal chegamos fomos logo encaminhados par os nossos locais de trabalho.
Eu e mais dois professores chegamos à ENAV onde fomos recebidos festivamente pela Directora e um grupo de professores que, no ano anterior já tinham trabalhado com esta equipa Mostraram-me a escola, apresentaram – me os professores que iriam fazer formação comigo e entretanto chegou a hora de almoço.

Pelo que percebi durante a visita, a cantina da escola, local escuro e sem grandes condições de higiene, não funcionava, soube depois que por falta de verbas, mas a Directora, uma pessoa fantástica, autêntica missionária que fazia milagres, com os parcos recursos que tinha, lá arranjou a dar-nos de almoçar durante toda a estadia, a nós e aos professores com quem estávamos a trabalhar.

Quando entrei no espaço reservado à cantina, confesso que fiquei a olhar para a comida sem saber bem o que fazer. Os outros professores que estavam comigo e que já conheciam a escola, segredaram-me, come senão ficas com fome, amanhã já te parece tudo bom, é o que há. O arroz parecia uma pasta e o peixe que era pequeno, estava partido em 3, a cabeça, o rabo e a posta do meio, a única que tinha alguma coisa para comer, era um bocado para cada um. Eu vi que os meus amigos ou não se serviam de peixe ou tiravam a cabeça, o que permitia aos professores da ENAV ficar com os bocados melhores e até comer dois pedaços. Para eles era óptimo porque comiam de graça, percebi depois que em casa as coisas eram bem piores. Às vezes a cozinheira lá nos presenteava com uma refeição melhorada e então era uma festa.
No intervalo do almoço dava uma corrida ao mercado local com as professoras da ENAV, comprávamos frutos que eu desconhecia, legumes e novos e temperos, as vendedeiras muito simpáticas queriam que eu experimentasse tudo.
O mercado era pobre, muito cheio e com uma enorme falta de higiene, mas naquele contexto eu esquecia completamente tudo, a minha sensibilidade artística exultava com todo aquele colorido, estava simplesmente apaixonada por tudo quanto via.

Eu e mais três professores, ficávamos num apartamento que nos tinha sido cedido pela embaixada portuguesa, e à noite quando nos juntávamos mortos de cansaço, fazíamos o nosso jantar, trocávamos as experiências do dia e planificávamos as actividades para o dia seguinte, eram momentos muito agradáveis e muito enriquecedores.

Por vezes, ao fim do dia tínhamos recepções organizadas pela embaixada onde confraternizávamos com entidades locais e estudantes da área artística.
Outras vezes, juntávamo-nos para jantar com individualidades do mundo artístico e cultural de Maputo. Foi nesses jantares que tive o privilégio de confraternizar com o escritor e biólogo Mia Couto e o pintor Malangatána. Foram momentos inesquecíveis, o ambiente africano , a companhia insuperável, o franco convívio, as estórias que o Mia Couto a propósito de tudo contava.

Um dia fomos todos até à comunidade onde o outro grupo trabalhava. Todo o mundo nos fez uma festa, os miúdos corriam à nossa volta entusiasmados, davam abraços, beijos e pediam para tirar fotografias. Um grupo de músicos e dançarinos locais presenteou-nos com uma magnífica actuação que me deixou em êxtase. O grupo já era repetente nestas aventuras em Moçambique, para mim é que tudo era novidade.
Nunca mais posso esquecer as viagens, de deixar um pintor louco, o colorido fantástico das mulheres e crianças que percorriam os caminhos com trajes de cores garridas transportando cestos de frutos à cabeça, visões inesqueciveis.
Foram tempos fantásticos, vim outra, aprendi mais do que ensinei e o que me ficou foi tão forte, deixou-me uma marca tão profunda, que não há dia em que não me lembre de como lá fui feliz.

9 comentários:

Daniela Figueiredo disse...

Emília, ainda quero conhecer algum país da África. Acho fascinante a cultura e o colorido das roupas. A comida sabia que em alguns países de lá tem muita banana e outras frutas, mas esse peixe que falaste não me aguçou nem um pouco o apetite, hehe. Conviver com outras culturas é maravilhoso, sempre temos muita coisa a aprender. Adorei o post! Beijos.

Anónimo disse...

talvez por morar numa gigantesca moçambique eu tenha uma otica diferente mas é belissima a historia.

João S. Magalhães disse...

Não se trata de relato simples como você falou no diHitt. Mas de um texto interessante, que nos mostra um pequena face Moçambique.

Abraços

Unknown disse...

Um lindo texto, Emilia. Imagino o quão marcante foi sua experiência e espero ter a oportunidade de conhecer a África. Um continente tão castigado e maltratado por todo o resto do mundo.

Abraços

Anónimo disse...

Mais uma história maravilhosa, Mikasmi. Que grande privilégio ter tido essa experiência de vida junto a povo moçambicano, que têm muito em comum com alguns brasileiros. Admiro muito essa gana de improvisar com muito pouco mas em prol de muitos. E que privilégio ter conhecido Mia Couto que, para mim, é um dos melhores escritores em língua portuguesa vivos. Grande história de vida.

Um abraço.

Unknown disse...

Que história legal Emília. Um amigo meu me convidou para ir a Moçambique, mas no momento não tenho como ir. Gostaria muito de conhecer um lugar tão incrível como Mpauto. Por mais que o país seja pobre, seu povo e sua cultura são ricas, o que vale a pena visitá-lo. Grande abraço.

Anónimo disse...

Esse seu texto me lembro da minha viagem para Guine-Bissau ano passado...

Prof. Joaquim Madruga disse...

Olá Emília. Que inveja, no bom sentido claro, que eu tenho de si por ter tido a oportunidade de ter conhecido esse belo país que é Moçambique. Fascinante é também o seu artigo, aliás como os demais. Um grande abraço deste seu amigo que apesar de comentar pouco continua a ser um leitor assíduo dos seus textos. Beijocas.

Lilith disse...

Realmente deve ter sido uma experiência muito enriquecedora,em todos os aspectos.
abs